“Refletindo o evangelho dominical” Por Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

No Sermão da Montanha Jesus continua mostrando a grande novidade que veio trazer ao mundo para que se estabeleçam novas relações regidas pelo amor.

O judaísmo sempre entendeu a estreita relação existente entre o amor ao Senhor e ao próximo. Prova disso é a insistência do Ensinamento de Deus (Lei) em relação aos pobres: estrangeiro, viúva e órfão não podem ser afligidos, torturados como temos visto em nosso Brasil e pelo mundo afora (cf. Ex, 22, 20-23). A primeira leitura de hoje (Lv 19, 1-2.17-18) insiste em que não se guarde ódio nem se busque vingar de ninguém. A santidade se manifesta no amor ao próximo. Amor que se expressa no perdão, no cuidado, na solidariedade, na partilha, na correção fraterna etc.

O problema enfrentado por Jesus com seus irmãos na fé judaica foi que essa relação fraterna era guardada somente para com os correligionários (da própria religião e raça). Jesus quer universalizar essa relação de perdão e de não violência. Vai além: não enfrentar o malvado, ou seja, evitar toda violência, ainda que custe ao discípulo uma atitude de humildade: “Você é um bobo, um besta! Eu não aceitaria isso!”. É preciso ainda mais: amar o inimigo. Enquanto alguns contemporâneos de Jesus pregavam: “Ame o que Deus escolheu e odeie o que Deus rejeitou” (Essênios).

O que Jesus introduz de novo em tudo isso? – Seu discípulo deve manifestar sempre mais na sua vida as atitudes do Pai que ama a todos os seres humanos. “Sede prefeitos como vosso Pai celeste é prefeito”. A perfeição de que fala Jesus não é psicológica, legalista, cumpridora da lei pela lei. Mas Jesus quer dizer que o discípulo do Reino precisa ser perfeito no amor como o Pai que ama todas as pessoas, independente do que são: “faz chover sobre bons e maus”. O amor não está na linha do merecimento, mas da gratuidade, generosidade. Ou seja, é preciso superar a mentalidade mundana, e enxergar o mundo e as pessoas com o olhar de Deus.

O Papa Francisco tem uma palavra muito bonita sobre esse novo olhar de cuidado: “Cada ser humano é objeto da ternura infinita do Senhor, e Ele mesmo habita a sua vida. Na cruz, Jesus Cristo deu o seu sangue precioso por essa pessoa. Independentemente da aparência, cada um é imensamente sagrado e merece o nosso afeto e a nossa dedicação.  Por isso, se consigo ajudar uma pessoa a viver melhor, isso já justifica o dom da minha vida. É maravilhoso ser povo fiel de Deus. E ganhamos plenitude quando derrubamos os muros e o coração se enche de rostos e de nomes!” (EG, n. 274).

Faz-se necessário mudar o registro da mente e do coração. Entrar num processo de conversão. É poder dizer: “Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23,33). O amor proposto por Jesus é o ágape: não há exclusividade no amor, ele é aberto. Parecido com aquele amor da Graça, mãe do Ronildo, por ocasião da morte do filho (lá em Vilas Boas, Guiricema): “Meu Deus, eu te entrego meu filho. Assim como o Senhor me deu ele, eu te devolvo”. E cuidou dele a vida inteira, gratuitamente, amorosamente!

Talvez nos ajude mais o conceito de santidade, presente no Levítico 19, 1-2. Santidade e pecado coabitam em nós: somos santos e pecadores. Mas perfeição e pecado, não. Perfeição é atributo divino. É um ideal, algo que dá ideia de completude. A Escritura, com exceção de Mateus, não diz que Deus é perfeito, mas que Deus é Santo. É separado das criaturas, não se confunde com elas. É o Criador. Se Deus, o Santo, ama a todos, aqueles que Ele criou à sua imagem e semelhança, também devem amar para participar da santidade de Deus e comunicá-la aos demais.

 

Num comentário magnífico ao relato sobre o paralítico colocado na presença de Jesus pelo telhado da casa (Mc 1,1-12), Papa Francisco diz, com toda simplicidade: “Sem dúvida, «o povo é pecador, como eu sou pecador, todos o somos». Mas o povo «procura Jesus, procura algo, procura a salvação». Ao contrário, aquele «grupo» de homens «parados estavam ali, na varanda, a olhar e a julgar» (Homilia em 13/01/17). Ou seja, ainda que a motivação inicial esteja eivada de algum egoísmo, a Graça pode transformar a pessoa. O importante é buscar, é sair da “varanda” e caminhar atrás de Jesus. O ideal cristão deve ser colocar os pés nos passos de Jesus.

Perfeição dá ideia de subida, de degraus. Santidade traduz descida, esvaziamento da auto-suficiência, de toda ambição e busca de riquezas, de prestígio, de projeção social, de dominação dos outros, de opressão. Santidade não é resultado matemático que possa ser contabilizado. É antes uma tendência para Deus, busca de se viver na presença de Deus, uma luta diária contra os desejos egoístas presentes no “homem velho”, para usar a linguagem paulina (Rm 6,6). É a verificação da própria indigência e, ao mesmo tempo, uma esperança confiante no amor, na graça, na salvação que vem de Deus. É um caminhar lentamente, passo a passo. “Caminheiro, não existe caminho. Passo a passo, pouco a pouco, o caminho se faz”. Não por nós, mas pela graça e perdão do Pai, com nossa resposta generosa, cotidianamente, pacientemente, confiantemente…

Assim como os filhos refletem a fisionomia dos pais, assim o discípulo de Jesus deve expressar, em suas relações, a santidade e o amor do Pai.

*Na próxima quarta-feira, dia 26, vamos dar início à Quaresma e abrir a Campanha da Fraternidade: Fraternidade e vida: dom e compromisso. “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Lc 10,33-34). Seria muito oportuno que cada um se preparasse para celebrar bem esse tempo de conversão, de graça, de intensa vida espiritual para sermos pessoas melhores, mais compassivas, solidárias, pacificadoras, comprometidas com a vida desde a concepção até o ocaso. – É dia de Jejum e Abstinência de carne. Busca de conversão para Deus e para os irmãos.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

Fonte: aurelius.blogs.sapo.pt/e-santo-quem-manifesta-a-bondade-do-pai-71952

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