Espiritualidade em Movimento (SOR) – Tempo quaresmal

Antônio Chaves de Santana

 

Vivemos em nossa liturgia católica o tempo quaresmal, favorável à salvação num mundo desfavorável, marcado pelo egoísmo e pela ambição, pela idolatria do dinheiro e do poder, um lugar desfigurado que parece ter perdido a sua vocação de mundo. Na verdade, o mundo anda desarrumado, não é mais um ambiente adequado à salvação. Parece estar doente, amarrado e, iluminados pela fé, somos convidados a desatar esse nó e prosseguir na reconciliação e na paz.

A quaresma é um belo tempo para a reflexão e aprofundamento da espiritualidade que toca a essência de nossas existências. A questão é, como olhar para este tempo que nos move a conversão? Não é simplesmente um tempo “KRONOS”, mas um tempo “KAIROS”, de graça e de conversão.

A quaresma nos faz recordar os velhos tempos do deserto, quando nossos pais eram escravos do Egito, quando Deus ouviu o clamor do povo e veio em seu socorro libertá-lo. O Livro do êxodo conta-nos, que por quarenta anos, esse povo foi andarilho no deserto em busca de um sonho esperançoso, acalentado, mesmo em tempos cruéis de escravidão. Moisés, o maior dos profetas, exerceu como nunca sua liderança em favor de libertá-lo.

Esse modelo de profeta e líder corajoso dá exemplo de chefia, de como governar e liderar o mundo. Enfrentou os desafios do Faraó, o rei todo-poderoso, e as reclamações do povo deserto afora. Porém, manteve-se firme até receber de Javé “os 10 mandamentos”, a mais nova Constituição do Povo de Deus. Confiante no Deus do êxodo, sabiamente administrou os sonhos e as possibilidades de um povo que pudesse habitar em sua própria Terra.

No início, escrevi que o mundo desandou, desarrumou por falta de “Moisés”. Hoje, há muito mais faraós do que “Moisés”. O povo está disperso, andarilho, sem direção ou “Terra Prometida”, que o impossibilita avistar uma sociedade melhor, um país melhor, uma cidade melhor, um bairro melhor, pulverizando nossas consciências e práticas com as cinzas quaresmais, que prenunciam logo mais um mundo de páscoa, que venceu a morte das desigualdades sociais. 

Nós, cristãos, estamos em travessia de Páscoa. Não há outra alternativa a não sermos cristãos “em saída”.  Uma retrospectiva da antiga história faz ver os tempos de turbulências vividos por nossos ancestrais sob a opressão do faraó. Também nós, caminhando pelos nossos desertos sofisticados do século XXI, defrontamo-nos com as graves consequências deixadas pelos desertos sociais das desigualdades. Metaforicamente, em geografias diferentes, não faltam “Egitos” e “faraós” com o mesmo espirito mesquinho dos velhos reis antigos. Hoje, nossos reis são fracos não sabem reverter as velhas angústias de seus povos em sonhos de mudança e transformação.

Contudo, não podemos nos deixar ceder às novas tentações de nossos tempos. Tentação deixa-nos imobilizados. É preciso nos revestir do verdadeiro espirito quaresmal, como Cristo, que venceu as artimanhas das tentações demônio. Este surge por toda parte com belas fantasias, a fim de nos desviar da espiritualidade quaresmal.

É bom que façamos uma releitura teológica desse tempo quaresmal, ressignificando-o e reculturalizando-o com uma mensagem de conversão, de transformação, de transfiguração de nossas vidas e de toda a Terra. Por isso, o espirito quaresmal fortifica-nos ao reviver as velhas práticas do jejum e da oração.

Essa díade, Jejum e oração, nos esvazia e ao mesmo tempo nos fortifica em nossas caminhadas pelos nossos desertos existenciais e geográficos atuais. Quaresma é tempo de olhar profundo para dentro e para fora de nós mesmos. Por isso, a quaresma nos interpela tanto. Ela exige dois olhares: um espiritual e outro social.

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