Espiritualidade em Movimento (SOR) – A Pedagogia de Jesus é uma pedagogia do Chamado

                                                                                                                     Antonio Chaves de Santana

 

 

Lucas descreve no capítulo V de seu evangelho a pedagogia vocacional de Jesus. É um belo texto vocacional, vestido da metáfora da pesca milagrosa, de imagens e figuras literárias riquíssimas que enchem os olhos do leitor de uma poética bíblico-teológica, apresentando o primeiro chamado vocacional dos seus discípulos à beira do mar da Galileia.

Na narrativa, o evangelista destaca elementos importantes para nossa reflexão com um desenho parabólico rico de um estilo pedagógico que lhe é próprio a fim de persuadir a multidão. Nesse encontro à beira do lago, ele faz uso de elementos do cotidiano da vida de um pescador: barcos e redes, praia, lago ou mar, noite, homens do mar, limpando as redes, movimentando seus barcos para se lançarem às profundezas do lago.

Ouvindo a sugestão de Jesus, jogaram as redes nas águas mais profundas, e elas se encheram de grande quantidade de peixes que se arrebentaram. Admirados, fizeram um sinal para os companheiros do outro barco a fim de que viessem ajudá-los. Eles vieram às pressas e encheram os seus barcos prestes a afundarem-se com tamanha quantidade de peixes.

Então, Simão Pedro, o primeiro vocacionado do Senhor, ajoelhou-se e disse: Senhor afasta de mim, pois eu sou um pecador. O pescador do Lago da Galileia foi tomado por tão grande espanto ao ver os barcos milagrosamente cheios de peixes. Tiago e João ficaram admirados. Jesus disse: não tenhais medo! De agora em diante, você, Pedro, você, Tiago, e você, João, serão pescadores de homens. É de imaginar que ser pescador de peixes é tão trabalhoso, ser pescador de homens é mais desafiador ainda.

A vocação ocorre em momentos inusitados de nossas vidas. Ela não é um simples chamado, aí para. É um chamado dinâmico que se desdobra e se reconfigura cada vez que a realidade de nossos mares nos inquietam e nos interpelam. A vocação emerge do seio da comunidade e exige uma pedagogia da escuta. Toda comunidade recebe inspiração divina que doa os mais diversos carismas. Sem carismas vocacionais, a comunidade é como uma figueira que não dá fruto. Somos um grupo, uma comunidade, quais são os nossos frutos, quais são os nossos carismas dados pelo Espírito para crescimento e testemunho da fé? Qual é o motivo que faz que nos reunamos como comunidade de missionários do carisma? Já pensamos sobre isso?

Por analogia ao texto lucano, somos todos os novos pescadores do século XXI. E, como pescadores do lago deste mundo, tomamos nossos barcos e nossas redes e vamos ao mar da sociedade, da família, da escola e do nosso grupo. Quais os medos e os contratempos dos ventos contemporâneos que sacodem nossos barcos? Por que nossas redes estão pesadas e rasgadas? E, quando as lançamos aos nossos mares e lagos existenciais e sociais, não conseguimos pescar? Que faremos, se para pescar, é preciso que nossas redes estejam aptas e os nossos barcos, seguros?

Às vezes, somos os Pedros, os Tiagos e os Joãos. Precisamos limpar nossas redes e concertar nossos barcos. Metaforicamente, o que entendemos por nossas redes e nossos barcos? Com as redes sujas, elas se tornam por demais pesadas para ser lançadas ao mar e com nossos barcos furados não conseguimos sair da praia. Jesus implicitamente sugeriu que limpassem as redes, e com elas mais leves, os pescadores do Lago conseguiriam lançá-las mais profundamente.

Hoje, o lago de nossa sociedade está sacudido pelos maremotos contemporâneos. Ora paradoxalmente, estamos numa calmaria tamanha que nem percebemos os icebergs que se aproximam de nossos mares, pois se acomodarmos diante das calmarias de nossos mares, perecemos todos.

Desencorajados, precisamos que o Senhor suba ao nosso barco e pedagogicamente nos ensine como segurar forte os punhos de nossas redes o leme de nossos barcos a fim de que possamos chegar ao fundo da realidade de nossos mundos. Como Pedro, Tiago e João, elaboramos projetos e mais projetos vocacionais, lançamos nossas redes no mar de nossa sociedade, família e escola a fim de que tenhamos uma boa pescaria.

O mar do mundo está agitado e nos agita. Estamos todos intranquilos. Não ficaremos sem aflição neste mundo, assegurou o homem de Nazaré. As nossas redes existenciais e sociais estão precisando de uma reforma pessoal e estrutural a fim de que os punhos se fortifiquem e suportem as ondas gigantes de nossa contemporaneidade que agitam, inquietam e amedrontam o futuro, o futuro de nossas instituições e dos nossos movimentos eclesiais.

Oração

Senhor, sou um lago que reflete o azul do céu, embora não seja o céu.

Mesmo sendo lago, tenho o sol em meu espelho, tenho as nuvens em minha superfície e, à noite, tenho a lua e as estrelas me adornando.

Vou mudando de forma, continuamente, a depender da estação do ano. Posso tornar-me menor ou maior, mais calmo ou mais ou menos movimentado, mais cristalino ou mais turvo.

O mais importante é a riqueza que guardo em meu interior, os peixes que abrigo, e a vida que habita ao meu redor, as flores cuja existência permito às minhas margens, e as aves que vêm se encontrar e brincar em minhas águas.

Nunca serei o mesmo e sempre serei o mesmo.

Não temo a mudança, eu a abençoo.

E mais tarde, quando deixar de ser lago definitivamente, a minha água habitará o oceano ou o mais profundo veio da terra, o meu leito será, talvez, uma floresta, e minha memória estará eternizada em todos os que se beneficiam do meu ser inconstante. (Kau Mascarenhas, Recado do Lago).

Como pescadores de gente, somos convidados a refletir a permanente impermanência que nos rodeia. Porém, com nossos barcos frágeis e nossas redes fortificadas pela palavra que nos encoraja, avançaremos sendo pescadores de homens. Por fim, pedimos ao pescador da Galileia que suba os nossos barcos como subira no barco de Pedro, Tiago e joão.

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