“Refletindo o evangelho dominical” Por Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A água é elemento indispensável à vida. Ela é tão importante que em breve pode se tornar o elemento mais precioso e caro do planeta. É o bem mais essencial para a vida humana. Infelizmente ainda não se tomou consciência suficiente no uso desse elemento. Em vez de varrer com a vassoura muita gente varre calçadas e ruas com água limpinha, tratada; desperdiça de várias outras maneiras. Quando me deparo com alguém (conhecido!) desperdiçando água, ou misturando lixo reciclável com lixo molhado ou orgânico, ou queimando capim ou folhas secas etc., costumo exclamar: “Olhe a Campanha da Fraternidade!”

A liturgia da Palavra deste domingo nos coloca diante da sede de um povo no deserto (Ex 19,3-7) e da sede da mulher à beira do poço. O que é a sede? Você já experimentou sede? Esse desejo e necessidade não sendo saciados com certa imediatez levam a desfalecimento. A gente pode passar dias sem alimento sólido, mas sem água, não. A sede (de água) é símbolo de uma sede maior, mais profunda. A experiência de habitar em terra estrangeira, longe do Templo, numa vida escravizada leva o israelita a dizer a Deus: “Ó Deus, tu és o meu Deus, eu te procuro. Minha alma tem sede de ti, minha carne te deseja com ardor, como terra seca, esgotada, sem água” (Sl 63,2). Muitas vezes a experiência de dor e sofrimento nos faz voltar para Deus como “terra seca e sedenta”.

Veja o que aconteceu com a mulher samaritana neste belíssimo relato de João que mostra Jesus como do Dom do Pai, a Água Viva que preenche o coração humano, representado nas buscas até então insatisfeitas da mulher samaritana: “Vai chamar teu marido”…  “Eu não tenho marido”… “Tiveste cinco maridos, e que tens agora não é teu marido” (Jo 4,16-18). Jesus é aquele que preenche o coração daquela mulher. Não tem preconceito, não julga, não condena. Apenas acolhe e mostra-lhe o dom da água viva que brota para a vida eterna. Jesus não lhe apresenta a doutrina e a censura, mas o Dom. E ela acolhe, reconhece, rende-se diante de uma realidade que responde às suas buscas mais profundas.

No caminho da Judéia para a Galiléia era preciso passar pela Samaria. Um território constituído por um povo que tinha alguns costumes diferentes e divergentes dos costumes dos judeus. Havia entre eles uma inimizade histórica e cultural mortal. Jesus estabelece uma nova relação com esse povo. A mulher samaritana aqui significa também a própria Samaria. Jesus veio também para eles. Não somente para os judeus.

Aqui temos o fruto de um encontro verdadeiro, honesto, na busca da verdade do ser humano. Encontro que desperta um desejo para além daqueles que se deram ao longo da história em redor do poço: Isaac e Rebeca; Jacó e Raquel; Moisés e Séfora. Não se dá ali uma “paquera” para casamento, mas um encontro que transforma a partir de dentro e envolve toda uma cidade: “Muitos samaritanos daquela cidade creram nele, por causa da palavra da mulher”.

O Desejo de Jesus se encontrou com o desejo da mulher, que a princípio estava marcada pelo sentimento de ódio, de decepção, de desencanto. O Desejo puro de Jesus contagia aquela mulher, purifica seu desejo e lhe dá uma nova perspectiva de vida. Aquele Desejo oculto de felicidade, ínsito por Deus em seu coração na criação, foi despertado.

Jesus é o dom do Pai, a água viva capaz de saciar o desejo humano que não se sacia com coisas e pessoas: “Já tiveste cinco maridos e o que agora tens não é teu marido”. Ele sacia de vez a sede profunda daqueles que o buscam: “Dá-me dessa água, para que eu não tenha mais sede”.

Nossos jovens, nossas famílias, nossas crianças estão buscando saciar a sede servir a Deus “em espírito e verdade”. Mas o que lhes é oferecido pela televisão, pela internet, até mesmo em alguns cultos ditos cristãos é veneno. Algo parecido com água, mas que leva à morte, à secura, a uma busca frenética de bens de consumo, de festas desmedidas, de bebidas e drogas, de sítios e quintais, de gozo e de vazio. O resultado nós o temos visto: assassinatos, vinganças e mortes; cadeias e bandidagem; corrupção política e roubos de todo jeito; desesperança e “fossa”, preconceito e desejo de morte. Onde está o remédio? No encontro transformador com Jesus Cristo, a Água Viva que nos dá vida nova, que abre nossos horizontes, que dá sentido à vida, que nos faz discípulos missionários, como aconteceu com a samaritana. Bento XVI dizia que o “ser cristão não é fruto de uma decisão ética ou de uma grande ideia, mas de um encontro com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, um rumo decisivo”.

Esse relato do encontro de Jesus com a Samaritana nos questiona também em relação à falta de espaço de acolhida em nossas comunidades. Jesus sentou-se, esperou, acolheu, ouviu, foi rejeitado inicialmente. E ele se manteve ali, resiliente, esperançoso, confiante. Não se pode apresentar em primeiro lugar a lei, a doutrina, o “carão” à pessoa que procura a comunidade: “Você está no pecado!” “Você precisa mudar de vida!” “Você sumiu da igreja!” “Você não pode comungar!” “Você não pode receber os sacramentos!”. – A pessoa precisa de espaço de diálogo, de partilha, de alguém que a ouça sem julgamento, que a compreenda, que lhe apresente um Deus que ama incondicionalmente toda pessoa. Santo Agostinho dizia: “Se queres conhecer uma pessoa, não pergunte o que ela pensa, mas o que ela ama”. Se você quer conhecer a sua comunidade, as pessoas da comunidade, observe não o que elas dizem ou pensam, mas o que ela amam.

Teremos um mundo novo na medida em que cada cristão, assumindo seu batismo, fonte de vida nova em Deus, continuar fazendo seu encontro com Jesus Cristo na sua comunidade, na Palavra de Deus, na celebração, junto àqueles que sofrem. De uma mentalidade consumista e capitalista, egoísta e gananciosa, fratricida, feminicida, preconceituosa e maledicente, transformar-se em discípulo de Jesus como a samaritana do evangelho. Não basta pensar como Jesus pensou. O fundamental é amar como Jesus amou.

O encontro com Jesus “ao redor do poço” deve levar à missão. A participação na celebração deve levar o cristão a partilhar com os outros a experiência feita no encontro vivificador com Jesus Cristo. Há muita gente esperando um pouquinho de nossa “água” haurida nas fontes do Salvador.

Concluindo também com Santo Agostinho: “Ama e faze o que quiseres. Se calares, calarás com amor; se gritares, gritarás com amor; se corrigires, corrigirás com amor; se perdoares, perdoarás com amor. Se tiveres o amor enraizado em ti, nenhuma coisa senão o amor serão os teus frutos”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

Fonte: https://aurelius.blogs.sapo.pt/um-encontro-ao-redor-do-poco-73105

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