Espiritualidade em Movimento (SOR) – Semana Santa

                                                                                                                        Antônio Chaves de Santana

 

A história da “Semana Santa” é uma triste história que se repete. Ela se entrelaça com as tantas histórias de crucificações e mortes espalhadas pelo mundo afora, sobretudo, em nossa América Latina sofrida. Somos um povo irmão crucificado desde a invasão luso-ibérica até os nossos dias. Tanto ontem como hoje, continuamos sendo mandados dentro de nosso chão e expulsos de nossas casas pela vã cobiça de nossas terras e riquezas naturais. Somos assaltados, e as nossas riquezas são saqueadas pela ganância dos poderosos.

Como latino-americanos, somos considerados um povo inferior, vira-lata da história e lixo do mundo. Isso retira a autoestima e autoconfiança de um povo. O teólogo jesuíta Inácio Illacuria dizia em seu livro “Descer os crucificados da cruz” que somos um povo de crucificados, moramos no Sul do Mundo. Nesse nosso Continente de esperança, a miséria de muitos, visível a olho nu ainda é desconhecida ou finge não ser vista.

Em pleno século XXI, continuamos prisioneiros, algemados, flagelados como Jesus, colocam sobre os nossos povos a imensa cruz da desigualdade, criam-se falsos problemas e falsas prioridades que passam a ocupar o lugar da atenção às questões básicas da distribuição desigual em todas as dimensões.

Uma miopia de um povo política e religiosamente analfabeto faz-nos recordar as palavras de Jesus no alto calvário: “Pai perdoai-lhes porque não sabem o que fazem”. Agonia de Jesus é a agonia do povo, o silêncio de Jesus crucificado é o silencio de milhões de pobres espalhados por esse mundo de meu Deus.

A história de ontem não é diferente da de hoje. Ontem os algozes “repartiam entre si suas vestes, e sobre a sua túnica lançavam sortes”. Hoje, os parlamentos do mundo decretam morte aos pobres, roubam-lhe o direito e a liberdade, e as suas túnicas de dignidade humana lhes são rasgadas.

Os pobres correm as ruas do mundo em procissão ou atravessam oceanos em busca de ressurreição. E o que experimentam é a morte de cruz nessa nossa contemporaneidade neoliberal. O mundo está triste, sombrio e depressivo. Os crucificados se espalham nos calvários de nossas sociedades, que, infelizmente, se descristianizaram. Nesse contexto, Guimarães Rosa, o filósofo do sertão nos diz: “Viver é um rasgar-se e remendar-se”.

Lembro-me da narrativa da paixão que nos diz: “Suas vestes foram lançadas à sorte e o seu peito foi transpassado pela lança e jorrou sangue e água”. É o que acontece com o povo. Os seus direitos são saqueados desumanamente. As barragens sepultam centenas de vidas, e outras ameaçam romper-se. Os nossos irmãos que moram próximos são obrigados a abandonar as suas casas; irmãos nossos, aqui no Ceará, perderam tudo que construíram há anos com muito sacrifício, viram tudo perdido, levado pelas águas por falta de políticas públicas.  O povo pobre já não tem condição sequer de sonhar com ressurreição.

Os nossos tribunais não são diferentes dos do tempo de Jesus. Nenhum parlamentar levanta a voz em favor do pobre. Esse não é contado como gente no rol das nações, pois sua morte é lenta e sofrida, seu alijamento da sociedade é planejado. Como bem dizia Saramago, “uma cegueira branca” contagia populações inteiras e as apequenam, relegando-as a uma subcidadania.

Assim como o sinédrio, parlamento político-religioso-judaico tornou Jesus refém, levando-o aos tribunais do Império Romano para ser julgado como malfeitor, hoje em plena sociedade contemporânea, muitos não chegam a ser julgados, são sinistramente desaparecidos por levantar sua voz em favor dos direitos dos que não têm voz.

Somos um povo denominado de cristão, mas não amadurecemos nem refletimos sobre o nosso engajamento no mundo contemporâneo como luz e sal. Frei Betto, entrevistado, alguém lhe perguntou: Você não é um dominicano, um frade conventual, por que o senhor está tão preocupado com o mundo? Ele respondeu: eu sou um seguidor de um prisioneiro político, de um ativista que não foi atropelado por um camelo no deserto nem morto num leito de hospital. Jesus foi é, um movimento que ainda não terminou. Ele continua persuadindo massas inteiras a segui-lo.

Semanas e semanas santas se repetem. Ao invés de relermos a trágica história da humanidade a partir de uma fé crítica e transformadora, confrontando com a história do crucificado Jesus de Nazaré, com a de milhares de povos crucificados pela fome e pela miséria, pela desigualdade e desumanidade em todo o planeta.

Infelizmente, os cristãos reúnem-se para comemorar um feriadão, que o chamam de Semana Santa. Outros lotam as Igrejas, mas não refletem sobre o mistério pascal do Cristo, sua morte e ressurreição, e contentam-se com o ritual realizado pelo padre, esquecendo o sentido maior do mistério que celebramos, separando o acontecimento da morte e ressurreição de Cristo com a morte e ressurreição do povo. Nessa perspectiva, dizia Pedro Casaldáliga: “Pascoa de Cristo, Páscoa do povo, Páscoa do povo, Páscoa de Cristo.

Esperamos que os cristãos ao celebrar, anualmente, o tríduo pascal faça conexão do Jesus de Nazaré, Filho de Deus, pendente no madeiro da cruz, com os povos crucificados do Brasil e do mundo. Impotentes na sua dor angustiante, muitas vezes, repetem como Jesus na cruz: “Pai, afasta de mim este cálice, que seja feita a tua vontade e não a minha”. Jesus amou os pobres e perdoou os inimigos porque não sabem o que fazem”.

É um tremendo paradoxo imaginar que fomos salvos pela beleza da cruz. Quem afirma é Agostinho, teólogo e místico: “A beleza salvou o mundo”. Os pobres são os sacramentos de Deus, eles são os bem-aventurados do reino, os amados e queridos de Deus. Mais do que os que têm as riquezas do mundo, eles são a esperança de Deus no mundo. Eles vão ressuscitar.

Espiritualidade em movimento deseja uma Semana Santa e uma Santa Semana, bem diferente de todas outras semanas do ano de 2019.

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